Mário Pedrosa sobre H. Oiticica

Arte Ambiental, Arte Pós-moderna, Hélio Oiticica
 Agora que chegamos ao fim do que foi chamado de "arte moderna", inaugu-
 avaliado por Les Demoiselles d’Avignon de [Pablo Picasso] e inspirado pelo (então) recente
 descoberta da arte africana, os critérios de apreciação já não são os mesmos
 estabelecidas desde então, com base na experiência cubista.  Até agora, nós temos
 entrou em outro ciclo, que não é mais puramente artístico, mas cultural, radicalmente diferente
 entada da anterior e iniciada (digamos?) pela Pop art.  Eu chamaria isso de novo
 ciclo do antiarte "arte pós-moderna".
 (De passagem, digamos que, desta vez, o Brasil participa não como um modesto
 seguidor, mas como líder.  Em muitos aspectos, os jovens expoentes do antigo concretismo
 e especialmente do Neo-Concretismo (liderado por Lygia Clark) prenunciaram a Op.
 e até movimentos de pop art.  Hélio Oiticica era o mais novo do grupo.)
 Na fase de aprendizagem e no exercício da “arte moderna”, o vir natural
 tualidade, a extrema plasticidade da percepção do novo sendo explorado pelos artistas
 foi subordinado, disciplinado e contido pela exaltação e a hegemonia de
 valores intrinsecamente formais.  Hoje em dia, nesta fase da arte em situação de antiarte,
 da "arte pós-moderna", ocorre o inverso: os valores formais per se tendem a ser absorvidos
 pela maleabilidade de estruturas perceptivas e situacionais.  Como um fenômeno psicológico
 nomenon, é perfeitamente claro que a maleabilidade da percepção aumenta sob
 a influência da emoção e dos estados afetivos.  Como os modernistas clássicos, hoje
 artistas de vanguarda não evitam essa influência e certamente não a procuram deliberadamente.
 eratamente, assim como os subjetivistas românticos do expressionismo “abstrato” ou “lírico”.
 A expressividade em si não interessa à vanguarda contemporânea.  No
 contrário, teme o subjetivismo individual hermético acima de tudo - daí o inerente
 objetividade da Pop e Op art (nos Estados Unidos).  Mesmo a "nova figuração" (em
 que os restos do subjetivismo se alinharam) aspira acima de tudo a
 narrar ou divulgar uma mensagem coletiva sobre o mito e, quando a mensagem for
 individual, para usar o humor.
 Já em 1959, quando em todo o mundo a moda romântica da arte
 Predominaram Informel e Taquismo, a jovem Oiticica, indiferente à moda,
 tinha desistido de pintar a fim de forjar seu primeiro incomum, violento e francamente
 objeto monocromático - ou relevo - no espaço.  Tendo rompido naturalmente com
 a gratuidade dos valores formais que são raros entre os artistas de vanguarda de hoje,
 ele permanece fiel a esses valores no rigor estrutural de seus objetos, o discípulo
 pline de suas formas, a suntuosidade de suas combinações de cores e materiais - em
 resumindo, pela pureza de suas criações.  Ele quer que tudo seja lindo, impec-
 cabo puro e intratávelmente precioso, como um Matisse no esplendor de sua arte de
 “Riqueza, sossego e prazer.”  O Baudelaire das Flores do Mal pode ser o dis-
 padrinho tant deste adolescente aristocrático que é um passista1
  para a Mangueira2
 [Escola de samba] - embora sem o senso cristão de pecado do poeta maudit.  Seu
 O aprendizado concretista quase o impediu de chegar ao vernal, ingen-
 estágio uous do primeiro experimento.  Sua expressão assume um caráter extremamente individualizado
 caráter alista e, ao mesmo tempo, vai até a pura exaltação sensorial
 sem, no entanto, atingir o próprio limiar psicológico, onde a transição
 a relação com a imagem, com o signo, com a emoção e com a consciência ocorre.  Ele corta
 esta transição curta.  Mas seu comportamento mudou repentinamente: um dia, ele deixou seu marfim
 torre - seu ateliê - para fazer parte da Estação Primeira, onde sua dolorosa e
 A iniciação popular séria aconteceu aos pés do Morro da Mangueira, um mito carioca.
 Mesmo quando ele se rendeu a um verdadeiro rito de iniciação, ele, no entanto, carregou seu

inconformidade estética impenitente com ele para o samba no eternamente difícil
 espaços centrais da Mangueira e arredores.
 Deixou em casa os relevos espaciais e Núcleos, a continuação de um
 experimento com a cor que chamou de Penetráveis ​​- construções em madeira
 com portas de correr em que o sujeito pode se isolar dentro da cor.
 A cor o invadiu.  Ele fez contato físico com a cor;  ele ponderou, tocou,
 caminhou, respirou cor.  Como na experiência dos Bichos [Bichos] de Clark, o espectador
 deixou de ser um contemplador passivo para se tornar atraído por uma ação que
 dentro das cogitações do artista, e não dentro do escopo de seu próprio convencional,
 considerações cotidianas, e delas participamos, comunicando-se por meio de gestos.
 e ação.  Isso é o que os artistas de vanguarda do mundo querem hoje e é
 realmente a força motriz secreta por trás dos "acontecimentos".  Os Núcleos são estruturas perfuradas
 estruturas, painéis suspensos de madeira colorida que traçam um caminho sob um quadrilátero,
 teto tipo dossel.  A cor não está mais bloqueada;  o espaço circundante está em chamas
 com violentas substâncias de cor amarela ou laranja que foram liberadas, apreendendo o
 ambiente e respondendo um ao outro no espaço, como a carne, também, é colorida, e
 vestidos e tecidos estão inflamados e suas reverberações tocam as coisas.  Os incandescentes-
 o ambiente arde, a atmosfera é de um requinte decorativo excessivo que
 é simultaneamente aristocrático, ligeiramente plebeu e perverso.  A cor violenta e
 luz ocasionalmente evoca a sala de bilhar noturna de [Vincent] van Gogh, na qual aqueles
 cores que simbolizavam as “terríveis paixões da humanidade” 3
  reverberou para ele.
 Oiticica chamou sua arte de ambiental.  Na verdade, é isso mesmo.  Nada sobre isso
 está isolado.  Não existe uma única obra de arte que possa ser apreciada em si mesma, como uma imagem.
 O todo sensorial perceptivo domina.  Dentro dele, o artista criou uma “hier-
 arco de ordens ”—Relevos [Relevos], Núcleos, Bólides4
  (caixas) e capas, banners,
 tendas (Parangolés) 5
 - “tudo dirigido
 em direção à criação de um ambiente
 mundo mental. ”  Foi durante sua iniciação
 tiação no samba que o artista mexeu
 da pureza da experiência visual para
 um experimento em toque, em movimento,
 na fruição sensual de materiais
 em que todo o corpo - anteriormente
 reduzido na aristocracia distante
 da visualidade - faz sua entrada como
 uma fonte total de sensorialidade.  No
 caixas de madeira que se abrem como pombos
 buracos dos quais uma luz interna sugere
 em outras impressões, abrindo
 perspectivas por meio de painéis móveis,
 gavetas que se abrem para revelar a terra ou
 pó colorido, etc., a transição
 de impressão predominantemente visual
 sões para o domínio do háptico ou tátil
 alguns se tornam evidentes.  Simulta-
 contraste de cores novo passa para
 sucessivos contrastes de contato, de fricção
 ção entre sólidos e líquidos, quente
 e frio, liso e vincado, áspero
 e macio, poroso e denso.  Enrugado

malha colorida brota de dentro das caixas como entranhas, as gavetas são preenchidas com
 pós e recipientes de vidro, os primeiros dos quais contêm reduções de cor
 para pigmento puro.  Uma variedade de materiais se sucedem: tijolo triturado, chumbo vermelho
 óxido, terra, pigmentos, plástico, malha, carvão, água, anilina, conchas do mar trituradas.  Espelhos
 servir de base para Nucléos ou criar outras dimensões espaciais dentro das caixas.  Gostar
 flores artificiais, absurdamente preciosas e exuberantes malhas porosas amarelas e verdes
 do gargalo de uma garrafa de formato caprichoso (do tipo que pertence a um servo de licor
 vice) preenchido com um líquido verde transparente.  É um desafio inconsciente para o refinado
 gosto de estetas.  Ele chamou este vaso decorativo incomum de Homenagem de Mondrian
 [Homenagem a Mondrian] (um de seus ídolos).  Um frasco está sobre uma mesa em meio a caixas de vidro
 contaminadores, núcleos e cabos - uma pretensão de luxo ao estilo Luís XV dentro de um interior suburbano
 rior.  Uma das caixas mais belas e surpreendentes, seu interior repleto de matizes
 circunvoluções (malhas), é iluminada por luz neon.  Existe uma enorme variedade de
 essas caixas e Bólides de vidro.  Não faz mais parte do macrocosmo, tudo agora leva
 coloque dentro desses objetos;  é como se tivessem sido tocados por alguma experiência estranha.
 Pode-se dizer que o artista transmite a mensagem de rigor, luxo e exaltação.
 a visão que uma vez nos deu nas mãos, ocasionalmente enluvadas, que apalpam e mergulham
 em pó, em carvão, em conchas.  Assim, ele deu uma volta completa em torno de todo o sen-
 espectro sorial-tátil-móvel.  O ambiente é de saturação sensorial virtual.
 Pela primeira vez, o artista se encontra cara a cara com outra realidade - a
 mundo da consciência, dos estados de espírito, o mundo dos valores.  Todas as coisas devem acontecer agora
 modificar o comportamento significativo.  Na verdade, a totalidade sensorial pura e crua tão deliberadamente
 procurado e tão decisivamente importante para a arte de Oiticica é finalmente exalado através
 transcendência em outro ambiente.  Nele o artista - máquina sensorial abso-
 alaúde - tropeça, vencido pelo homem, convulsivamente confinado pelas paixões sujas de
 ego e a trágica dialética do encontro social.  A simbiose deste extremo, radical
 o refinamento estético, portanto, ocorre com um radicalismo psicológico extremo
 isso envolve toda a personalidade.  O pecado luciferiano da inconformidade estética
 e o pecado individual de não conformidade psicológica se fundem.  O mediador deste
 a simbiose de dois inconformismos maniqueístas era a escola de samba Mangueira.
 A expressão desta inconformidade absoluta é a sua “Homenagem a Cara de
 Cavalo ”[“ Tributo a “Cara de Cavalo”], um verdadeiro monumento de autenticamente patético
 beleza na qual os valores formais finalmente não são supremos.  Uma caixa aberta sem tampa,
 modestamente coberto por uma malha que deve ser levantada para revelar o fundo, suas paredes internas são
 forrado com reproduções de uma fotografia que apareceu nos jornais da época;
 neles, [o fora-da-lei] “Cara de Cavalo” 6
  aparece deitado no chão, com o rosto crivado
 com balas, os braços abertos, como se crucificado.  O que absorve o artista aqui é emocional
 conteúdo, agora formulado de forma inequívoca.  Em um Bólide anterior, pensamento e emoção tiveram
 transbordou sua (sempre magnífica) carapaça decorativa e sensorial para se tornar um
 poema de amor explícito escondido dentro dela sobre uma almofada azul.  Beleza, pecado, indignação e amor
 dar à arte desse jovem uma ênfase que é nova na arte brasileira.  Não tem sentido
 em repreensões morais.  Se procura um precedente, talvez seja este: Hélio é o
 neto de um anarquista.

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